“E,
por se multiplicar a iniqüidade,
o amor de muitos esfriará.” (Mateus 24:12)
O serviço de meteorologia celestial adverte: Uma grande frente
fria vem tomando conta da noiva de Cristo do Brasil nesses últimos tempos,
provocando o maior esfriamento espiritual de todas as épocas.
Por onde quer que ela passa, uma verdadeira tempestade de neve vai
congelando tudo que encontra pela frente.
Parecido com uma avalanche, ela começa pequena e vai crescendo de
forma progressiva e contínua propagando-se e alastrando-se sem respeitar placas
de igreja ou fronteiras geográficas, atingindo de forma violenta a igreja de
Cristo.
A primeira região geográfica atingida foi a Europa dos séculos XIX
e XX.
Depois a frente fria desceu para os Estados Unidos da América durante
a segunda metade do século XX e no final deste mesmo século desembarcou de
malas prontas aqui no Brasil.
Quem
assistiu ao filme Thor irá se lembrar de um personagem que tinha o poder de
congelar tudo que tocava. O esfriamento espiritual funciona mais ou menos
assim, onde ele chega vai contaminando as pessoas.
Jesus
disse que o esfriamento é o resultado da multiplicação da iniquidade. Mas, o que ele queria dizer quando usou essa palavra? A palavra grega é que aparece nesse texto é Anomia. que significa dentre outras coisas, desprezo para com a lei ou, dito de outra maneira, é a desobediência (ou pecado) cometida de forma consciente e repetitiva. Neste sentido, a iniquidade anda sempre de mãos
dadas com aquilo que chamamos consciência cauterizada. Esta, por sua vez, nos torna insensíveis e indiferentes em relação às coisas espirituais.
Olhando desde esta janela, surge uma pergunta que não quer calar: Como foi que a iniquidade e o esfriamento espiritual tomaram conta da igreja na Europa e América?
Olhando desde esta janela, surge uma pergunta que não quer calar: Como foi que a iniquidade e o esfriamento espiritual tomaram conta da igreja na Europa e América?
Parte da nossa reflexão é inspirada nas idéias do inesquecível Francis Shaeffer, em sua obra "O Deus que intervem".
O começo de tudo
Por incrível que pareça, a mudança começou através de um único
homem, um filósofo que viveu na Europa (Alemanha) do século XVIII, o seu nome
era Hegel [1770-1831].
A história do pensamento moderno com certeza pode ser dividida em
antes e depois de Hegel.
Mas, o que foi que ele
disse de tão importante que mudou de tal forma a maneira de pensar do mundo
ocidental?
Hegel criou uma nova maneira(método) de se chegar ao conhecimento ou à
verdade, uma nova metodologia.
Até Hegel as pessoas pensavam de acordo com um sistema ou método
que pode ser chamado de antítese. E o que é isso?
A forma de pensar por antítese afirma que para cada tese
(afirmação) apresentada existe uma antítese (negação), ou seja, se algo é
certo, o contrário disso é errado; se algo é verdadeiro, o contrário disso é
mentira.
Antítese é a forma de pensar(metodologia) que prevalece tanto na Bíblia como no
cristianismo como um todo.
Toda a estrutura do pensamento cristão está alicerçada nesta
maneira de pensar. Nossa moral cristã e nossos valores cristãos funcionam
dentro dessa categoria de pensamento.
Nossas certezas e convicções partem desse princípio e se firmam
sobre ele.
Neste caso, a consequência lógica de se pensar por antítese é
acreditar-se que existam verdades absolutas. Verdades absolutas por sua vez são
verdades inquestionáveis e imutáveis, estabelecidas por Deus, e válidas em toda
parte e em qualquer época.
A proposta de Hegel virou tudo isso de cabeça para baixo. Ele
propôs o seguinte: E se ao invés de termos uma tese e uma antítese que a
contraponha, chocarmos a tese com a antítese e fazermos surgir algo novo, que
não é nem uma coisa nem outra, ou seja, uma síntese?
A princípio a proposição parecia algo inofensivo,
mas com o passar do tempo essa ideia foi tomando conta da mentalidade de toda a
Europa do século XIX e XX, alterando radicalmente a estrutura do pensamento
das pessoas.
As certezas foram sendo gradativamente minadas e demolidas pelo
poder deste novo sistema batizado de dialética hegeliana, e desta forma, as
verdades, antes tidas como absolutas, ou seja, inquestionáveis, foram perdendo
esse status e foram sendo transformadas em verdades relativas. Sim, porque na
perspectiva da dialética hegeliana toda verdade passa a ser verdade relativa, pois
sofrerá mudança ao chocar-se com sua antítese.
Neste caso, o que até então era tido como certo e certíssimo,
perdeu o brilho da certeza e o que era tido como errado, erradíssimo, passou a
ser visto com um outro olhar.
De repente, não mais que de repente tudo passou a ser
questionável, inclusive as verdades mais sagradas do cristianismo.
A moralidade cristã passou por um dos momentos mais delicados de
sua história, fazendo surgir no cenário europeu uma nova moralidade que podemos
chamar de relativismo moral.
Como assim?
Deixe-me dar um exemplo:
No pensamento por antítese adotado na Europa até Hegel e usado
pela bíblia e pelo cristianismo como um todo as coisas funcionam da seguinte
maneira:
Existe uma tese que é formada por uma afirmação, via de regra,
verdadeira, e uma antítese que afirma exatamente o contrário da tese, ou seja,
uma negação da tese, uma mentira. Por exemplo:
Tese = Mentir é pecado
Antítese = mentir não é pecado
Ou seja, se algo é certo, o contrário é errado.
Já no novo sistema ou nova metodologia de pensamento por síntese,
ou dialética hegeliana, o mesmo exemplo funcionaria da seguinte forma:
Tese = Mentir é pecado
Antítese = mentir não é pecado
Síntese = mentir pode ou não ser pecado,
depende da ocasião.
A conclusão a que se chega, adotando-se esse sistema, é que tudo
passa a ser questionável e, por conseguinte, relativo, e, neste caso, quem
assume essa maneira de pensar já não pode afirmar que existem verdades ou
valores absolutos.
Uma verdade ou valor absoluto como dissemos acima é o mesmo que
uma verdade ou valor inquestionável, aceito universalmente, ou seja, aceito por
todos.
No cristianismo, as verdades absolutas são aquelas definidas pela
própria bíblia, que para nós cristãos é a revelação escrita de Deus, revelação
essa que é inerrante e infalível.
De repente, não mais que de repente, tudo que era tido como certo
e verdadeiro passou a ser atacado e minado pela dialética hegeliana inaugurando
assim a era do relativismo.
A expressão relativismo carrega em si a ideia de que aquilo que é
certo para uns pode não ser certo para outros e aquilo que pode ser verdade para
uns pode não ser verdade para outros. Em outras palavras, não existem verdades
absolutas.
Esta nova forma de pensar aos poucos foi invadindo a sociedade
como um todo, sendo abraçada em primeiro lugar pela filosofia nos corredores das
universidades Europeias, depois pelos artistas, depois pela cultura em geral e
por fim pela teologia, instalando assim uma crise sem precedentes no seio da
igreja cristã européia.
Foi como um verdadeiro terremoto que abalou as estruturas do
cristianismo da Europa chegando depois aos EUA por influencia direta da Inglaterra.
É importante entendermos que esta nova maneira (metodologia) de se
chegar à verdade ou ao conhecimento inaugurada por Hegel representou uma
espécie de novo alicerce do pensamento das pessoas. E este novo alicerce ou
pressuposto relativista é totalmente diferente do alicerce cristão ou pressuposto
absolutista ou pensamento por antítese.
Hegel, entretanto, com sua nova metodologia apenas abriu o caminho
para a mudança que seria de fato estabelecida a partir de um outro filósofo dinamarquês
chamado Soren Kierkegaard (1813-1855).
Enquanto Hegel defendia ser possível se chegar à síntese com o uso
da razão, (o que mais tarde ficou provado ser impossível), Kierkegaard chegou à
conclusão de que somente conseguiremos chegar à síntese por meio do que ele chamava
de um salto de fé ou salto no escuro.
Significa dizer que antes dele, os homens buscavam com otimismo
construir uma explicação racional para o todo da nossa existência, um circulo
que abrangesse todos os pensamentos da vida e a própria vida, ou seja, acreditavam
que o homem partindo do próprio homem (antropocentrismo) poderia encontrar uma
unidade na diversidade, usando a razão. Ele chegou à conclusão de que esta
estrutura racionalista havia falhado em dar uma resposta baseada na razão, de
maneira que toda esperança de um campo de conhecimento uniforme teve que ser
abandonada.
Desde então o homem racional, ao tratar das coisas reais da vida
tais como propósito, significado e validade do amor, deveria deixar de lado o
pensamento racional e dar um gigantesco e não racional salto de fé. Assim, Kierkegaard
separou de forma absoluta o racional e lógico da fé.
Imaginemos um prédio de dois andares, no qual o andar de cima
passou a ser ocupado pela fé e o andar de baixo pela razão, mas sem qualquer
ligação entre eles. Por esta razão Kierkegaard é considerado o pai do
pensamento existencialista moderno tanto secular como religioso. Ele foi o
primeiro a descer o degrau em direção ao fim da esperança de significado para a
vida, o desespero.
Que ninguém se engane, esse salto de fé apregoado por ele não
significa fé em Deus, antes deve ser descrito como qualquer experiência
não-racional, não-lógica e não-comunicável que dê algum significado à
existência. As consequências foram as mais terríveis possíveis. Muitos
começaram a buscar esse tipo de experiência por meio do uso de drogas como o
LSD. Outros pensaram no suicídio como forma obter tal experiência.
De certa forma, o movimento hippie da década de 50 e 60 é a mais
clara tradução desse existencialismo moderno. Nenhuma verdade, nenhuma moralidade,
é o que o existencialismo apregoa.
Falemos agora um pouco dos efeitos do existencialismo na teologia.
Segundo Francis Shaeffer (in memorian), autor do livro “O Deus que intervem”,
que serve de base para este capítulo, a influência do existencialismo fez surgir
uma nova teologia no cenário evangélico, dividida entre a chamada neo-ortodoxia
e a teologia neo-liberal. O que ambas têm em comum é um erro de sistema, já que
se baseiam no uso de uma metodologia errada. Ou seja, “o seu conceito de
verdade está errado e por esta causa, aquilo que eles dizem e que parece
correto, na verdade significa algo inteiramente diferente daquilo que o
cristianismo histórico quer dizer com a mesma frase. “O importante não é o que
os teólogos modernos estão dizendo em si, mas sim o que a verdade significa
para eles. Eles desistiram da antítese e por conseguinte, da existência de
verdades absolutas, e adotaram de vez a dialética de Hegel com sua síntese,
acompanhada dos acréscimos de Kierkegaard.”
O teólogo alemão Karl Barth foi a porta de entrada da teologia neste novo sistema de pensar. Barth bebeu na fonte de Kierkegaard e tentou adaptar a teologia ao pensamento existencialista deste filósofo.
O teólogo alemão Karl Barth foi a porta de entrada da teologia neste novo sistema de pensar. Barth bebeu na fonte de Kierkegaard e tentou adaptar a teologia ao pensamento existencialista deste filósofo.
Foi Barth quem cometeu o grave erro de afirmar que a Bíblia não é a palavra de Deus mas sim que ela contém a palavra de Deus.
Há uma distância muito grande entre uma afirmação e outra. Quando afirmamos que a Bíblia é a palavra de Deus, estamos dizendo que toda a Bíblia é inspirada por Deus e que por conseguinte ela é a verdade de Deus para as nossas vidas e é a autoridade final em questões de fé e prática. De outra sorte, quando afirmamos que a Bíblia apenas contém a palavra de Deus reduzimos a sua importância e abrimos um leque de possibilidades para que alguém classifique ou identifique o que na Bíblia é e o que não é palavra de Deus.
Foi precisamente este o erro dos teólogos neo-liberais e que acabou por se disseminar entre as igrejas minando a importância da Palavra de Deus. Ao fazer isso, permitiu-se que uma onda de relativismo entrasse pela porta das igrejas e contaminasse a muitos, minando a fé e as convicções das pessoas.
Ao desqualificar a Bíblia, tanto os teólogos liberais, que defendiam a retirada da Bíblia de tudo que fosse sobrenatural, como os neo-liberais, que defendiam que a Bíblia não é a palavra de Deus mas sim que ela contém a palavra de Deus, ambos foram instrumentos usados por satanás para preparar o caminho para que a dialética hegeliana assumisse o controle e ditasse, por assim dizer, as regras da moral cristã, levando as pessoas a se abrirem inteiramente para o relativismo moral.
E isso teve um efeito prático devastador na igreja evangélica da Europa e depois dos Estados Unidos. O pecado deixou de ser visto como pecado e as pessoas foram abrindo mão dos valores cristãos e aderindo à nova moralidade onde tudo é permitido.
O termômetro da santidade na vida dos cristãos evangélicos foi registrando índices cada vez mais baixos, até não se perceber mais sua presença em boa parte das igrejas.
Os jovens foram sendo bombardeados nas universidades e aos montes aderindo a um movimento imperceptível e silencioso, mas igualmente avassalador.
O contágio foi muito pior que o vírus ebola (na Africa) e a contaminação se espalhou rapidamente fazendo vítimas em toda parte e assim gradativamente a fé de multidões foi abalada e dizimada quase que por inteiro. Durante a primeira metade do século XX a devastação tomou conta da igreja europeia e em seguida da igreja americana.
O existencialismo rapidamente ganhou as universidades e depois a
sociedade como um todo.
Os efeitos da segunda grande guerra mundial apresentando a mais
contundente evidência da fragilidade da vida humana e sua inexorável brevidade
com certeza contribuiu para a expansão do desencanto e da desesperança.
Todas essas ideias somente tomaram corpo no Brasil no final do século
XX, a partir da década de 80, atingindo primeiramente as universidades.
Aqui do Brasil, tanto o existencialismo como a síntese de Hegel,
traduzidos no relativismo moral, foram sendo popularizadas com a ajuda do
cinema americano e das telenovelas da rede globo. De repente, não mais que de
repente as pessoas passaram a ser confrontadas dentro de suas próprias casas
com cenas muito bem elaboradas e milimetricamente planejadas, que induziam as
pessoas a fazerem uma nova leitura de situações para as quais suas mentes
estavam treinadas a pensar por antítese.
Um bom exemplo disso é a questão do adultério. A quase totalidade
da população brasileira por ter sua formação cristã, adotava a posição bíblica
de que adultério é pecado. É um típico pensamento por antítese. Trata-se de um
absoluto moral estabelecido pela Bíblia. Os autores das telenovelas adeptos da
síntese hegeliana e do existencialismo colocavam em cena um casal com um
relacionamento bastante desgastado no qual o marido não valorizava a esposa
como deveria e inseria uma terceira pessoa(homem) que agia de modo diferente
para com aquela mulher carente e rejeitada, e aos poucos convencia os
telespectadores de que aquela mulher merecia ser feliz e ser amada e a partir
de um processo continuado de investidas, de idas e vindas, com música de fundo,
ao final da novela, o telespectador passava a torcer para que aquele mulher
traísse o seu marido. Ao torcer pela infidelidade da personagem, as pessoas sem
perceberem estavam aderindo á síntese de Hegel. Mais que isso, suas
mentalidades estavam sendo modificadas e suas consciências passavam a aceitar o
adultério em suas próprias vidas e sem culpa.
Foi assim também com a virgindade, com o divórcio e por fim com o
homossexualismo.
Aos poucos, a mente das pessoas comuns foi sendo minada com esse tipo
de bombardeio e a moral cristã foi sendo bombardeada pelo relativismo.
A frase que melhor traduz o cerne do relativismo moral e do
pensamento por síntese no Brasil é:
“Não tem nada a vê.”
A geração evangélica que nasceu na década de 90 foi muitíssimo
atingida por essa nova maneira de pensar. O programa “Malhação” da Rede Globo
foi um grande instrumento de disseminação dessa nova moralidade.
A igreja é a todo tempo bombardeada por essa nova mentalidade e
essa nova moralidade que no fundo no fundo é uma desconstrução da moral cristã.
Infelizmente, o grau de influência da dialética hegeliana é
avassalador dentro de nossas igrejas.
A igreja evangélica brasileira, a cada geração que passa, vem se
tornando mais comprometida com o relativismo moral e menos comprometida com a
Palavra de Deus. E o resultado disso é uma igreja cheia de pessoas, mas pessoas
vazias de conteúdo e sem compromisso com a santidade.
Mais do que nunca, o
desafio da igreja de hoje é o de não se conformar com este século. Precisamos
ser transformados diariamente em nossas mentes pelo poder da Palavra de Deus, como
nos aconselhou o apóstolo Paulo, na carta aos romanos, capítulo 12.
Entender a nova metodologia é o primeiro passo para podermos combatê-la
com todas as forças.
Esta reflexão continua nas próximas postagens.
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